Monday, February 19, 2007

Linhas Secundárias - a opção mais fácil?

Linha do Tua onde o belo se mistura com o horrível...
IN Jornal de Noticias de 18 de Fevereiro de 2007

Uma composição mista prepara-se para deixar Mirandela, rumo a Bragança "Beatiful and horrible" (belo e horrível)!

Esta é a expressão que muitos entusiastas ingleses do caminho-de-ferro utilizam quando visitam, pela primeira vez, a Linha do Tua, ora confinada a 54,100 quilómetros, entre o Tua e Mirandela, quando outrora a viagem terminava em Bragança, num total de 133,800 quilómetros. A frase exprime, da melhor forma, a paisagem que envolve a via-férrea, sobretudo entre Foz Tua e Abreiro.

À beleza do rio, que corre célere por entre abruptos penhascos, misturam-se o respeito e o temor que as escarpas, que se precipitam a pique em direcção às aguas bravas, provocam ao passageiro. A tudo isto deve acrescentar-se uma vegetação rasteira e enormes fraguedos em ambas as margens.

A plataforma da via parece ter sido esculpida na rocha.

De um lado é penedia, do outro o precipício com mais de 50 metros. Numa visão selvagem, à qual não faltam pontes e túneis, surgem as Fragas Más - compostas por ciclópico maciço granítico -, quiçá o cenário de maior beleza do Tua.

As características inóspitas estão ainda bem patentes, entre outros, nos apeadeiros de Tralhariz e Castanheiro, que são servidos por pequenas sendas de terra, pelas quais mal passa uma pessoa. Se o serpentear da automotora, por uma linha que, por vezes, dá a sensação de ficar a um palmo do precipício, infunde muito respeito e ainda mais temor, não deixa de ser curioso pensar como terá sido possível a sua construção, que conheceu as primeiras obras a 16 de Outubro de 1884, em Mirandela, 28 anos depois da circulação do primeiro comboio em Portugal. Também no Tua, Fontes Pereira de Melo, ministro das Obras Públicas, teve uma papel preponderante em todo o lento processo de lançamento, em Carta de Lei, do concurso.

As dificuldades foram enormes, a começar pelo acesso dos trabalhadores à obra, feito por carreiros íngremes, sobretudo entre o Tua e a Brunheda, onde o rio é mais profundo e se passeia por gargantas e escarpas quase inacessíveis.

A dureza era de tal ordem que o engenheiro que supervisionava a construção desistiu, impotente para vencer as dificuldades técnicas e para impor disciplina ao grupo de trabalho, do qual até ladrões faziam parte. Foi então nomeado o engenheiro Dinis da Mota, que conseguiu levar a construção até ao fim.

Numa obra de engenharia a todos os títulos notável, Dinis da Mota incutiu confiança aos trabalhadores, que todos os dias eram confrontados com cargas de dinamite e com escarpas que não permitiam a menor distração.

Três anos volvidos sobre o início da epopeia, a linha foi inaugurada, com pompa e circunstância reais, a 19 de Setembro de 1887, entre o Tua e Mirandela, numa composição rebocada pela locomotiva a vapor E81 da alemã Emil Kessler, que tinha aos comando o próprio Dinis da Mota. Até Bragança, foi necessário esperar 19 anos para que o comboio apitasse na capital nordestina, num processo marcado por avanços e recuos, com as estações a ser inauguradas conforme a linha ia avançando.

Dois registos históricos, entretanto a construção da estação de Santa Comba de Rossas (serra da Nogueira), a mais alta de todo o sistema ferroviário português, nos seus 850 metros de altitude, e, logo a seguir, pouco depois do apeadeiro de Remisquedo, o maior túnel da linha.

Do apogeu ao ocaso, foi apenas uma questão de 86 anos. A Linha do Tua, no troço entre Bragança e Mirandela, foi encerrada em 1992, sob fortes protestos da população, o que obrigou à intervenção das forças policiais na "noite do roubo", quando a CP retirou, por via rodoviária, o material circulante de Bragança, numa operação que lhe custou 12 mil contos!

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A CP retirou por via rodoviária o material circulante que estava em Bragança?

Para o levar para outro local, eventualmente sucata, ou de outra forma seria mais lógico que esse material fosse pela linha até ao Tua.

Mas entretanto em Bragança ficou lá algum, que constitui hoje um pólo museológico.

Um polo onde não chega um comboio, como acontece em Arco do Baulhe, outro ponto negro da história recente do caminho de Ferro em Portugal.

Bom texto o publicado no JN, e que mostra que na era em que não havia automóvel essas linhas eram necessárias, e mais necessárias ainda porque nesse tempo ainda não se tinha verificado a chamada desertificação do interior do país, em que se era mais coeso socialmente e equilibrado.

Mas ainda assim não vejo razões fortes para que em vez de encerrar, não se modernizasse tal linha, e como esta, outras, por forma a que esta pudesse ser concorrencial relativamente ao alcatrão e ao camião ou ao automóvel.

Como escrevi noutro artigo deste blogue, acho que perante uma “doença", não se mata, deve antes dar-se uma cura que não passe pela eutanásia do caminho de ferro em Portugal, encoberto por projectos faraónicos de que sobressai o anunciado TGV, que soam a ridículo num país tão pequeno e periférico relativamente o centro europeu, quanto o é Portugal.

A Linha do Tua está na calha para o encerramento definitivo, e a avaliar por notícias de comunicação social e por declarações uma oficiais, outras oficiosos temo mesmo pelo futuro da Linha o Douro, e que a um breve trecho, esta se limite na sua exploração comercial à Régua, deixando de fora o Pinhão e o Tua.

Ou seja, não só não se reabre a circulação até Barca de Alva (será que 28 km de linha deixariam a CP mais pobre?), como acabará por ficar confinada a circulação ferroviária regular até à Régua, ficando a bela e histórica linha do Douro confinada ao seu mínimo denomindor comum.

É triste e mais desesperante por vermos que nós, os entusiastas dos caminhos de ferro e o país serão impotentes para reverter um pouco que seja esta deriva para que um certo contabilismo de merceeiro condene o futuro de um país harmonioso, onde estrada e caminho de ferro possam conviver a par, e não que um mate o outro.

1 comment:

J.Pinto said...

De facto, o material foi removido por estrada durante a madrugada para evitar os protestos da população.
Esta linha tinha CENTENAS de utentes diários imediatamente antes do encerramento. Não tem lógica. A população ia impedir a passagem do comboio para o Tua, por isso tiveram de retirar por estrada, e mesmo assim com intervenção policial.
Até hoje.